terça-feira, 3 de junho de 2008

A hora do pesadelo


Texto escrito por Anderson Merisio
Permitam-me dizer que o único dos sete filmes da série em que não peguei no sono foi este primeiro. Também foi o único em que não levantei para ir ao banheiro ou para pegar algo para comer. E também não senti uma vontade imensa de apertar o fast foward e avançar metade do filme. O primeiro filme da série continua imbatível: além de ser, disparado, o melhor dos sete, também é um dos grandes filmes de horror dos anos 80. Ao contrário de seu colega Jason Vorhees - a New Line insistiu em juntar os dois em "Freddy Vs Jason" -, Freddy realmente está assustador neste filme dirigido por Wes Craven em 1984, a partir de uma idéia original sua.
Infelizmente, como também aconteceu com Jason, o personagem viraria mico de circo a partir da terceira parte. Craven nunca foi um cineasta muito sutil. É só olhar para a sua filmografia anterior a este filme (onde estão os violentíssimos "
Last House on the Left" e "Quadrilha de Sádicos") para perceber que ele não brinca em serviço. Por isso, do início ao fim, "A Hora do Pesadelo" é um exercício de puro medo, tensão e sadismo. Não há espaço para piadinhas, humor negro ou tiradas engraçadas no roteiro, que já começa assustador, com um close de mãos doentias fabricando uma luva com navalhas no lugar dos dedos (a cena seria homenageada pelo próprio Craven na sétima parte da série, que começa da mesma forma). Percebe-se, desde o início, a produção barata, que resulta em uma estética intencionalmente suja e sádica.
Entram os créditos e o filme já passa, sem perda de tempo ou maiores explicações, para um close na cara assustada de Tina (Amanda Wyss), que ouve uma voz sinistra chamar por seu nome, ecoando entre corredores úmidos, escuros e cheios de vapor de uma velha fábrica abandonada. Um arrepiante som metálico de navalhas raspadas contra metal anuncia a primeira aparição de Freddy, ou, como é batizado nos créditos, Fred Krueger. Ele persegue Tina até um beco sem saída, mas desaparece. Quando a mocinha acha que está salva, o vilão pula por trás dela.Pow! Tina acorda na cama. Ufa! Foi apenas um pesadelo, pensa Tina, e com ela o espectador, que já vai confortavelmente se ajeitando na poltrona de casa. Mas não era apenas um pesadelo. A menina está com sua camisola rasgada, bem no local onde foi atingida por Freddy. É incrível como neste curto início
Wes Craven apresenta sem muita enrolação aquilo que o espectador vai ver durante o restante do filme: Fred Krueger não é um assassino humano. É um monstro sobrenatural que ataca nos pesadelos de jovens adolescentes. Agora, pare para pensar: existe realmente alguma coisa mais assustadora do que isso? Como é que alguém vai lutar num pesadelo, enquanto está dormindo? Ou seja, Freddy ataca justamente na hora em que você está mais indefeso, dormindo! Em comparação, seria o mesmo do que Jason esquartejar suas vítimas enquanto elas dormem, ao invés de persegui-las pelas florestas de Crystal Lake.O que torna a idéia tão medonha é que num pesadelo, normalmente, você nunca se dá bem. Quantas vezes eu já sonhei que estava sendo perseguido por Michael Myers (pior é que é verdade) e não conseguia correr, por mais força que fizesse nas pernas. A sensação de pânico é tão extrema que você acorda com os olhos arregalados, respirando aliviado por tudo ter sido um pesadelo. Esta é a grande jogada de "A Hora do Pesadelo": nós sabemos, desde o início, que os jovens do filme não têm vez. Fred Krueger é superior a eles a cada minuto. Parece indestrutível. Você pode se esconder de Jason ou de Michael Myers, talvez até correr mais rápido do que eles. Mas é impossível escapar de Freddy! É só você ficar cansado e pegar no sono que ele estará esperando. E, mais cedo ou mais tarde, é isso que acontecerá! Voltando ao filme: quando Tina comenta seu pesadelo com os amigos Nancy, Glen e Rod, eles descobrem que os quatro estão tendo os mesmos pesadelos. É a senha para o espectador saber que algo de estranho está acontecendo. A partir daí, os personagens vão adormecendo e entrando no mundo horripilante dos pesadelos concebidos por Freddy.
Ao contrário do aconteceria posteriormente na série, aqui os pesadelos acontecem em locais comuns: ruas desertas, os corredores de uma velha refinaria e até na escola onde uma das personagens adormece. Não há mundos fantásticos e sobrenaturais, mas sim lugares comuns modificados de forma sobrenatural, onde Fred Krueger reina soberano. Ele persegue suas vítimas e sempre está um passo a frente. Afinal, tudo não passa de um pesadelo, certo? Em determinado momento, Tina convida os três amigos para ficarem na sua casa, pois ela começa a temer os freqüentes pesadelos. Enquanto ela dorme com o namorado Rod, sonha novamente com Freddy, mas desta vez não consegue acordar e é barbaramente mutilada pelo assassino. Na cama, Rod vê os cortes profundos abertos pelas navalhas no peito de Tina, mas não sabe o que está acontecendo - pois ela está sendo morta no pesadelo, e não na vida real. A primeira morte é impressionante também pelo fato de Freddy arrastar o corpo de Tina, que se debate, pelas paredes e pelo teto do quarto (cena tão boa que foi homenageada pelo próprio Craven no sétimo filme). Resumo da situação: Rod é preso como suspeito de matar Tina enquanto Nancy e Glen começam a pensar que há algo de preocupante nos pesadelos que eles têm com Freddy Krueger. Mas eles nem imaginam quem é aquela figura deformada, já que a verdade é escondida por seus pais. Nancy começa a sofrer com os pesadelos, onde não aparece só Freddy, mas também a amiga morta. Em outra cena impressionante, Tina aparece para Nancy dentro de um saco plástico, com uma lagarta saindo da sua boca. Quando Nancy e Glen começam a ter certeza de que o monstro dos seus pesadelos é o responsável pelo assassinato de Tina, Freddy age novamente, aproveitando que Rod pegou no sono na prisão para enforcá-lo com o lençol, fazendo como se o próprio jovem tivesse se suicidado na cela.
Aos poucos, Nancy vai enlouquecendo, enfraquecida na sua tentativa de não mais dormir, temendo a ameaça de Freddy Krueger. É quando seus pais abrem o jogo: eles participaram do linchamento e assassinato de Fred, então um assassino de crianças foragido da lei. O homem foi queimado vivo, e agora estaria aparecendo nos pesadelos dos filhos para se vingar dos pais, que foram os carrascos do matador. Mas a grande pergunta fica no ar: como podem jovens adolescentes lutar contra um maníaco sobrenatural que ataca nos pesadelos? Existe alguma forma de combater a ameaça de igual para igual no mundo dos sonhos? É inegável que Craven perde um pouco a mão no finalzinho. O combate final entre Nancy e Freddy soa meio tolo, com a moça fazendo armadilhas bobas pela casa e conseguindo dar um cacete no vilão que até então tinha se mostrado tão poderoso. Aliás, Nancy se sai uma verdadeira McGyver (lembram de "Profissão: Perigo"?), principalmente quando coloca pólvora dentro de uma lâmpada para fazer um explosivo caseiro! Tirando este pequeno detalhe, "
A Hora do Pesadelo" é pauleira pura! Freddy nunca se transforma em nenhum monstrinho durante os pesadelos. Pelo contrário: aparece totalmente desfigurado e sangue-frio, auto-mutilando-se para apavorar as vítimas. Está sempre rindo de forma macabra, e quando fala é para ameaçar suas pobres vítimas, e não para fazer piadinhas estúpidas - como aconteceria posteriormente.Craven ainda tenta imprimir um tom sério ao filme ao mostrar a degradação física e psicológica da personagem principal, que vai enlouquecendo e enfraquecendo à medida que se vê privada de dormir. A própria atriz Heather Langenkamp parece estar realmente sofrendo à medida que o filme avança, especialmente na cena em que vai, com a mãe, para um tal Instituto do Sono, onde médicos tentam orientá-la sobre como controlar seus pesadelos. O filme também tem diversas cenas assustadoras, especialmente quando os jovens fecham os olhos por um momento e logo acontecem coisas estranhas ao seu redor. O espectador, em certas cenas, não sabe separar o que é realidade e o que é pesadelo - como na já citada cena em que Nancy adormece na escola.Some-se a tudo isso o clima de filme B, com efeitos meia-boca (mas muito bem encaixados na trama), um Freddy Krueger assustador que aparece quase sempre envolto em sombras e um final incrível, que subverte toda a tentativa de heroísmo da personagem principal.Claro que também dá para dar umas boas risadas com a estética "anos 80" do filme. Especialmente com o jovem Johnny Depp exibindo toneladas de spray fixador para fazer o topete do seu cabelo! E não dá para esquecer do típico bad boy latino, o Rod interpretado por Nick Corri, que anda todo de preto, tem brinquinho e carro conversível - além de puxar um canivete em determinada cena do filme, clichê máximo deste tipo de personagem rebelde. Há, também, as "maravilhas" tecnológicas, como os enormes fones de ouvido que Glen coloca para ouvir música no final do filme (lembrando mais aqueles protetores de orelhas que os americanos usam quando neva!). Mas não dá para rir muito disso. Qual é o filme que não envelhece?
"
A Hora do Pesadelo" ainda permite algumas leituras interessantes, embora nem todo fã de horror esteja realmente interessado em fazer análises semióticas das suas produções preferidas. Por exemplo: quem desgrudar os olhos das mortes sangrentas e do belo corpo de Heather Langenkamp vai perceber que todos os jovens do filme têm problemas com os adultos. A mãe de Tina, por exemplo, é separada e está sempre com um homem diferente; Rod é rebelde porque não se relaciona com os pais; Nancy vive em um lar desfeito, onde o pai policial é divorciado e a mãe é alcoólatra, e os pais de Glen não querem que ele namore com Nancy. Logo, é um universo de adolescentes em conflito com seus pais, onde Freddy aparece como um mediador - só não se sabe se é uma metáfora para o impasse ou para o medo dos jovens de crescer e se tornarem adultos problemáticos como seus pais. Claro que é muito esquisito olhar o filme deste modo, mas são tantos detalhes e pistas espalhadas pela trama que não tem como fazer algumas teorias depois de reassisti-lo diversas vezes. Resumindo: um excelente exercício de medo e horror, onde simplesmente não existe o que ironizar: é um ótimo filme de horror, daqueles que não se faz mais nos dias de hoje. Dá até vergonha quando sabemos que o mesmo Craven conseguiu "se vender" para o sistema ao tecer a fraca e convencional trilogia "Pânico". Quando será que ele vai olhar para trás e lembrar que já fez filmes como "A Hora do Pesadelo", sem grandes efeitos especiais, mas com um legítimo clima de horror e medo???


A HORA DO PESADELO (A Nightmare On Elm Street, (EUA, 1984) 92 minutos; Lançado em vídeo pela CBS/Fox Direção e Roteiro: Wes Craven Produção: Robert ShayeProdução Executiva: Joseph Wolf; Stanley DudelsonFotografia: Jacques Haitkin Música: Charles Bernstein; Steve Karshner; Martin Kent; Michael SchurigEdição: Patrick McMahon; Rick Shaine Desenho de Produção: Gregg Fonseca Elenco: Heather Langenkamp (Nancy Thompson), John Saxon (Lt. Thompson), Ronee Blakely (Marge Thompson), Johnny Depp (Glen Lantz), Nick Corry (Rod Lane), Amanda Wyss (Tina Gray) e Robert Englund (Freddy Krueger)

Um comentário:

Kdu da NGF ( O Nerd mais Velho do Mundo ) disse...

que tal dar a Felipe M. Guerra o credito pelos textos??